Entenda como os nogócios de Dantas o levaram à cadeia
por Maurício Cardoso - publicado com exclusividade pela revsita Consultor Jurídico - www.conjur.com.br
No emaranhado de ramos em que se reparte a mal denominada Operação Satiagraha, da Polícia Federal, não fica claro que crimes os investigadores querem patentear em nome do banqueiro Daniel Dantas, dono do Grupo Opportunity. A pergunta que não quer calar é: qual o objeto da apuração?
O relatório parcial, apresentado pela delegada Karina Murakami Souza ao juiz Fausto Martin de Sanctis, da 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo, publicado com exclusividade pela revista Consultor Jurídico, afirma genericamente que a “organização criminosa liderada por Daniel Valente Dantas, está envolvida na prática de delitos contra o sistema financeiro e o mercado de capitais, lavagem de dinheiro, sonegação fiscal, formação de quadrilha, tráfico de influência e corrupção”.
Para encontrar correspondência entre essas tipificações e fatos concretos — ou seja, o que significam esses delitos na vida real — é preciso voltar no tempo e conhecer os negócios em que se meteu Daniel Dantas nos últimos anos. O itinerário é traçado por um disco rígido de computador, ou Hard Disk ou “HD” como preferem os técnicos.
O HD do Banco Opportunity foi apreendido pela Polícia Federal em 2004 no transcorrer da Operação Chacal, que investigava uma ação de espionagem da empresa Kroll, contratada pela Brasil Telecom.
O Opportunity entrou na mira da PF e do Ministério Público Federal quando se descobriu, pelo final dos anos 90, que ele criara um mecanismo para que investidores brasileiros pudessem aplicar no Brasil como se residissem no exterior. Com isso se candidatavam a ser remunerados com os altos juros pagos no país, sem pagar os impostos cobrados aos brasileiros, dos quais eram isentos os investidores estrangeiros.
Como diz o relatório da delegada Karina Murakami, “o Opportunity Fund, uma offshore disponível para investidores estrangeiros, tem como principal objetivo investir recursos de estrangeiros e pessoas que não sejam residentes no Brasil, em valores mobiliários de empresas brasileiras”. E lembra que essa operação é ilegal.
O Opportunity abriu outro ramo de complicações quando resolveu entrar pesado no jogo das privatizações, em 1998, ainda no governo de Fernando Henrique Cardoso. Para enfrentar os desafios dessa nova frente de negócios associou-se com o Citigroup, então a maior instituição financeira do mundo, com os fundos de pensão das principais estatais brasileiras (Petrobrás, Banco do Brasil, Telebrás e outras), e com a Telecom Itália, um dos mais poderosos grupos de telecomunicações da Europa.
Apesar de ser o menorzinho da turma, o Opportunity ficou com o controle da Brasil Telecom, que juntos os sócios arremataram no leilão das teles. No leilão, Daniel Dantas levou também a Telemig Celular e a Amazônia Celular, duas operadoras de telefonia móvel.
Mas a situação durou pouco. Os sócios todos brigaram com Dantas e o tiraram do controle da Brasil Telecom. Na disputa feroz travada entre o Opportunity e a Telecom Itália, acabou explodindo o escândalo da Kroll. Dantas, dizendo-se roubado, contratou a empresa internacional de espionagem empresarial para investigar seus adversários italianos, mas quem surgiu na mira dos espiões foram comissários petistas que iriam integrar o governo Lula, como o secretário de Comunicação do governo federal, Luiz Gushiken.
Foi no decorrer da apuração desse caso de espionagem que foi posta em movimento a Operação Chacal. Oportunidade ideal para botar as mãos no HD do Opportunity — embora o alvo formal da PF fosse a Brasil Telecom. A Polícia Federal fez a busca e apreensão do HD do Opportunity, que na verdade não é um mas cinco discos rígidos de computadores com todos os dados contábeis do banco de Daniel Dantas e de seus clientes.
O Opportunity colocou em campo seus advogados na tentativa de impedir que fosse quebrado o sigilo bancário com a abertura do HD. Final de 2006, a ministra Ellen Gracie, então presidente do Supremo Tribunal Federal, deu ordens para lacrar os dados. Entendeu-se que o investigado era Dantas, não seus clientes.
Enquanto isso acontecia, a Telemig Celular e a Amazônia Celular, de Daniel Dantas, surgiam como grandes anunciantes clientes da agência de publicidade de Marcos Valério. E são acusadas de estar entre as principais financiadoras do mensalão, o esquema de pagamento de propinas a parlamentares armado pelo PT para garantir a fidelidade da base aliada do governo petista.
O encontro da Operação Chacal, que investiga as bisbilhotagens da Kroll a mando de Daniel Dantas, com o Inquérito 2.245, que investiga as falcatruas do mensalão, acabou, de certa forma, deflagrando a Operação Sagatiba, ou melhor, Satiagraha. Novamente o alvo é o HD. Ao tocar em São Paulo o inquérito do mensalão no que toca aos acusados que não têm foro especial, o Ministério Público Federal conseguiu o HD do Opportunity. Era preciso saber o que havia ali sobre as doações das operadoras de celular do grupo — Telemig e Amazônia Celular — ao valerioduto.
As confusões a partir desse ponto passam a correr por conta da Justiça, do MP e da PF. A partir da abertura do HD, a juíza da 2ª Vara Federal Criminal de São Paulo, Sílvia Maria da Rocha, que trata do caso do mensalão, entende que, havendo crime financeiro, o caso deveria ser tocado pela vara especializada. E o processo vai parar na 6ª Vara Federal Criminal, especializada em crimes financeiros, do juiz Fausto Martin De Sanctis. O HD, que estava afeto ao processo da Operação Chacal, que corre na 5ª Vara Federal Criminal resvala, em uma espécie de empréstimo, para as mãos do juiz.
Para o advogado Nélio Machado, que defende Daniel Dantas, trata-se de completa ilegalidade o uso dos dados do HD, já que tanto o STF como o TRF-3 haviam decidido pela inviolabilidade desses dados. Afinal, os clientes do Opportunity não eram objeto da investigação. Dele saem as informações que no relatório da PF são mescladas com suposições delirantes que vão do Banco Central americano ao alto comando do Exército passando por uma rede de jornalistas que, na cabeça dos delegados, trabalham para Dantas.
Ao ler na Folha de S. Paulo reportagem da jornalista Andréa Michael sobre um novo processo que se somava à lista de outros processos que já o incomodavam, Daniel Dantas acionou seu advogados para se certificar do que estava acontecendo. Nélio Machado entrou, então, com pedido de Habeas Corpus preventivo.
Quando o pedido chegou ao TRF-3, a desembargadora Cecília Mello considerou os fatos gravíssimos e consultou os juízes federais de primeira instância de São Paulo se havia alguma investigação em curso contra Daniel Dantas. Os juízes, os mesmos que em peso se solidarizaram com De Sanctis em seu posterior confronto com o presidente do Supremo, se mobilizaram para negar esclarecimentos à desembargadora.
Cecília Mello, ao suspeitar que a peça pertencesse a outro quebra-cabeça, declinou de sua competência. O caso foi redistribuído para a desembargadora Ramza Tartuce. Ramza negou a liminar, segundo Nélio Machado, por ter sido informada pelos juízes de que o HD continuava protegido. O caso vai ao Superior Tribunal de Justiça, onde o ministro Arnaldo Esteves reconhece que a reportagem da Folha tem credibilidade, mas que não há urgência para conceder a liminar. O STJ interpela De Sanctis. Ele responde que o pedido de informações do ministro deveria trazer junto cópia do pedido de HC. Nada informou.
Os advogados recorrem ao Supremo. Daniel Dantas é preso. O HC preventivo é transformado em HC liberatório. Gilmar Mendes concede o HC e começa uma outra confusão. Desta vez, Daniel Dantas é apenas o alvo. Os protagonistas são o juiz Fausto Martin De Sanctis que manda prender, e o ministro Gilmar Mendes, que manda soltar.
Para o advogado Nélio Machado, “na origem de tudo isso está o ressentimento dos que não se conformam com o fim do litígio na disputa das teles”. Um pequeno parágrafo do relatório da delegada Murakami dá uma pista de que o advogado pode estar com a razão. Lá está dito que um novo procedimento investigatório deve ser aberto para apurar a participação de Daniel Dantas na venda da Brasil Telecom para a Oi.
मोहनदास करमचन्द गान्धी
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